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ImPrEP presente na CROI 2021

Em razão da pandemia de Covid-19, a 28ª Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI) aconteceu virtualmente de 6 a 10 de março passado, reunindo cerca de 4 mil participantes. Como sempre, um dos maiores eventos mundiais voltado à saúde apresentou pesquisas e estudos relativos a HIV, profilaxia pré-exposição (PrEP), hepatites, tuberculose, infecções sexualmente transmissíveis, além de vasta programação específica acerca do novo coronavírus e suas implicações.

Destaque para trabalhos sobre a vacina de mRNA que protege macacos contra vírus semelhante ao HIV (National Institute of Allergy and Infectious Diseases, dos EUA), a vacina terapêutica com potencial para controlar o HIV (Institute for Aids Research, da Espanha), o “paciente de SP” que, após tratamento intensivo de medicamentos teria se livrado do HIV, voltou a apresentar carga viral detectável (USP), a PrEP injetável confirmada com eficácia superior ao esquema oral, mas podendo fazer com que seja difícil detectar as infecções agudas de HIV (HPTN 083, cuja co-pesquisadora principal, Beatriz Grinsztejn, é também co-pesquisadora principal do ImPrEP), entre outros temas. O programa da conferência pode ser consultado em https://www.aidsmap.com/conference/croi-2021).

Mais uma vez, o ImPrEP esteve presente na CROI, participando da sessão Science Spotlights, com dois trabalhos: “Impacto da transmissão do HIV pela utilização de PrEP em centros urbanos no Brasil: um estudo de modelagem” e “Modelando o impacto e a relação custo-benefício da PrEP com base no projeto de demonstração ImPrEP no Peru”.

Modelagem: PrEP em centros urbanos do Brasil

A análise brasileira, conduzida por Paula Luz, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz, e outros pesquisadores*, partiu da premissa de que gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (GBM) no Brasil continuam desproporcionalmente afetados pelo HIV, apesar da disponibilidade de prevenção e tratamento. Nesse sentido, o estudo buscou estimar os benefícios clínicos de aumentar a utilização diária oral de tenofovir/emtricitabina (TDF/FTC) com financiamento público para a PrEP.

O modelo de custo-efetividade utilizado avaliou o impacto do aumento da adoção de PrEP em diferentes níveis (variação de 10-60%) em diferentes prazos (de 24 a 60 meses) em uma coorte de adultos ( ≥18 anos) de GBM sem HIV. Também foram usados estudos locais, dados nacionais e literatura internacional para representar a epidemia de HIV em três cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Salvador e Manaus. As taxas de incidência do vírus estratificadas por idade foram mais altas no Rio de Janeiro (4,3/100 pessoas-ano), Salvador (2,5/100) e Manaus (1,4/100).

A eficácia da PrEP foi de 96% e a adesão, de 74%. Os resultados incluíram infecções por HIV, com e sem PrEP, ao longo de 5 e 10 anos. Em análises de sensibilidade, examinou-se como os resultados variaram com mudanças na adesão à profilaxia (faixa de 50-85%), taxas de descontinuidade (faixa de 0-25%/ano) e idade no início do uso da PrEP. Também foi estimado o nível de utilização da profilaxia necessário para atingir 75% de redução da incidência de HIV em cinco anos.

Os resultados do trabalho apontam que uma intervenção de PrEP alcançando 10% de captação entre GBM dentro de 60 meses poderia evitar 501 infecções no Rio de Janeiro (em Salvador, 133; em Manaus, 119) em cinco anos. Alcançar 60% de utilização da profilaxia entre GBM em 24 meses evitaria 10 vezes mais infecções: 35,9% de redução da incidência no Rio de Janeiro, 37,8% em Salvador e 38,9% em Manaus. Em análises de sensibilidade, aumentar a adesão à PrEP para 85% subiria o número de infecções evitadas em 14%; já diminuir a adesão para 50% reduziria as infecções evitadas em 31%. Para atingir as metas de redução de incidência de 75% em cinco anos, uma intervenção de PrEP precisaria atingir 80% de captação entre GBM ao longo de 36 meses. Como principal conclusão, a análise indica que o aumento da utilização da profilaxia oral no Brasil diminuiria substancialmente a transmissão do HIV nos próximos 5 a 10 anos.

Custo-benefício da PrEP no Peru

O segundo trabalho apresentado pelo ImPrEP na CROI 2021 foi “Modelando o impacto e a relação custo-benefício da PrEP com base no projeto de demonstração ImPrEP no Peru”, conduzido por Annick Borquez, da Divisão de Doenças Infecciosas e Saúde Pública Global da Universidade da Califórnia, e outros pesquisadores**.

Embora a eficácia da PrEP entre gays/outros homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres trans tenha sido comprovada, um passo importante para informar sua escala nacional em países de baixa e média renda é avaliar seu impacto e eficácia em termos de custos. De 2018 a 2020, o ImPrEP inscreveu 1.954 HSH e 275 mulheres trans em clínicas de saúde sexual pública e uma ONG em seis cidades do Peru, fornecendo dados valiosos para a formulação de um modelo econômico do impacto da PrEP.

Dados do estudo ImPrEP foram utilizados para realizar uma análise de microcusto da adição de serviços de PrEP fornecidos por clínicas públicas de saúde sexual. Isso incluiu os custos contínuos de medicamentos antirretovirais, testes de laboratório, transporte e pessoal, bem como os custos iniciais relacionados a equipamentos e infraestrutura. O modelo adotado representa explicitamente a transmissão entre quatro grupos principais: HSH identificados como gays, HSH identificados como bissexuais/heterossexuais, trabalhadores do sexo masculinos e mulheres trans. Os dados ImPrEP sobre captação, retenção e adesão à PrEP foram utilizados por grupo para estimar o impacto e custo da eficácia da ampliação da profilaxia na redução da incidência de HIV entre 2022-2030.

Como resultados, o estudo demonstra que o custo de um ano de provisão de PrEP foi estimado em US$ 1.065, com um terço desses custos atribuíveis aos medicamentos antirretrovirais (US$ 75/pessoa/ano) e testes de laboratório. Dos participantes, 59% se identificaram como gays, 14% como heterossexuais/bissexuais, 14% como trabalhadores do sexo masculinos e 13% como mulheres trans. Assumindo padrões observados de captação, retenção e adesão à PrEP por grupo, entre 2022-2030o aumento da oferta de PrEP para 20% da população de HSH/mulheres trans poderia evitar 26% de novas infecções por HIV. O impacto seria maior entre as mulheres trans (46%).

O custo por DALY(disability adjusted life year) evitado seria de US$ 6.186. Isso está dentro do limite da OMS de 1 PIB/capita (US$ 6.941) e do limite específico do Peru estimado por Woods (US$ 7.747), mas acima do estimado por Ochaleck (US$ 1.300), que é mais rigoroso, pois se baseia na correlação entre mudanças nas despesas com saúde e na mortalidade/morbidade no Peru.

O trabalho conclui que a implementação da PrEP pelo Ministério da Saúde do Peru, numa cobertura viável de 20%, reduziria significativamente a incidência do HIV entre HSH e mulheres trans e seria custo efetivo em comparação com a maior parte dos limites estabelecidos. Entretanto, aumentar a retenção e adesão à profilaxia contribuiria para melhorar a eficácia.

Autores dos trabalhos

*“Impacto da transmissão do HIV pela utilização de PrEP em centros urbanos no Brasil: um estudo de modelagem”:

Paula Luz (1), VijetaDeshpande (2), PooyanKazemian (3), Justine Scott (2), FatmaShebl (2), Cristina Pimenta (4), Madeline Stern (2), Gerson Pereira (4), Claudio  Struchiner (1), Beatriz Grinsztejn (1), Valdilea Veloso (1), Kenneth Freedberg (2, 3, 5, 6, 7, 8) e A. David Paltiel (9)

(1) Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(2) Medical Practice Evaluation Center, Massachusetts General Hospital, Boston, EUA

(3) Harvard Medical School, Boston, EUA

(4) Ministério da Saúde do Brasil

(5) Division of General Internal Medicine, Massachusetts General Hospital, Boston, EUA

(6) Harvard University Center for AIDS Research, Harvard Medical School, Boston, EUA

(7) Division of Infectious Disease, Massachusetts General Hospital, Boston, EUA

(8) Department of Health Policy and Management, Harvard School of Public Health, Boston, EUA

(9) Yale School of Public Health, New Haven, EUA

**“Modelando o impacto e a relação custo-benefício da PrEP com base no projeto de demonstração ImPrEP no Peru”:

Annick Borquez (1), Kelika Konda (2), Oliver Elorreaga (2), Ximena Gutierrez (2), Juan Guanira (3), Sonia Flores (2), Gino Calvo (2) e Carlos Cáceres (2)

(1)Division of Infectious Diseases and Global Public Health, University of California, San Diego, EUA

(2)Center for Interdisciplinary Studies in Sexuality, AIDS and Society, Universidad Peruana Cayetano Heredia, Lima, Peru

(3)INMENSA, Lima, Peru