HIV, IST e Outros

Experiências de discriminação a partir da ótica da interseccionalidade entre HSH, indivíduos transgênero e não-binários

Experiências de discriminação devido à orientação sexual e à identidade de gênero são um relato frequente entre muitos membros da população LGBTQIA+. Os efeitos da discriminação, além de comprometerem o bem-estar físico e psicológico, corroboram para perpetuar situações de desigualdade e limitar o acesso ao mercado de trabalho e a serviços de saúde. Quando a questão é debatida a partir da ideia da interseccionalidade [1], é possível supor que diferentes marcadores sociais atuem simultaneamente, o que aprofunda ainda mais os impactos da discriminação.

Um artigo publicado na edição de maio de 2024 de The Lancet Regional Health – Americas buscou avaliar experiências de discriminação baseadas na identidade de gênero e na orientação sexual, mas ampliadas sob a ótica da interseccionalidade. O estudo foi elaborado por Lucilene Freitas, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e outros autores*, e teve como público-alvo gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), indivíduos transgênero e não-binários.

Segundo os autores, a maioria das análises publicadas no mundo e no Brasil relacionadas a discriminações sofridas por essas populações se concentra apenas em relações de gênero e de orientação sexual, e, portanto, desconsidera a possibilidade de diversos fatores de discriminação atuarem sobre os mesmos indivíduos.  O estudo em pauta levou em conta a autopercepção sobre situações de discriminação entre os voluntários, com dados coletados de novembro de 2021 a janeiro de 2022 por meio de questionário on-line divulgado em aplicativos de encontros (Grindr, Hornet e Scruff) com usuários residentes no Brasil.

A avaliação sobre a autopercepção foi feita a partir de uma escala de discriminação explícita, com 18 diferentes circunstâncias que apresentam uma variedade de contextos como potenciais fatores de discriminação, permitindo que os participantes atribuíssem às experiências de discriminação a motivação em uma ou mais razões (por exemplo, orientação sexual e gênero, raça, classe social, peso, idade e local de residência, entre outras).

No total, 8.464 indivíduos foram incluídos, sendo 4.961 (58,6%) brancos, 2.173 (25,7%) pardos e 1.024 (12,1%) pretos. Em relação aos resultados, as pontuações de discriminação autopercebida foram maiores entre os participantes pretos (10,2), seguidas por pardos (6,5) e brancos (5,2). Dentre a população preta, a raça foi apontada como o principal motivador de discriminação, mais do que a orientação sexual e a identidade de gênero.

A exemplo de outros dados divulgados, o estudo mostrou alta prevalência de LGBTQIA+fobia. Porém, seu enfoque permitiu revelar ainda o impacto desproporcional da discriminação, especialmente sobre HSH, indivíduos trans e não-binários pretos, expondo o racismo como um agravante para os mecanismos de exclusão sofridos por essas populações. Compreender e enfrentar os fatores de discriminação é essencial para se alcançar uma equidade nos serviços de saúde, assim como em outros setores.

Link para o artigo: https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(24)00064-4/fulltext

*Autores do artigo: 

Lucilene Freitas (1), Thiago Torres (1), Brenda Hoagland (1), Mayara Secco (1), Valdiléa Veloso (1), Beatriz Grinsztejn (1), João Bastos (2) e Paula Luz (1).

(1) Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(2) Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Simon Fraser, Burnaby, Canadá.


[1]  Interseccionalidade = interação ou sobreposição de fatores sociais que definem a identidade de uma pessoa e a forma como isso irá impactar sua relação com a sociedade e seu acesso a direitos.