HIV, IST e Outros

Artigo analisa a mpox em pacientes com formas mais graves de infecção por HIV

Desde o início do surto de monkeypox (mpox) em 2022, 110 países já registraram casos da doença. Do total de casos de mpox registrados, cerca de 38% a 50% são de pessoas que vivem com HIV. Estudos existentes sobre a interação entre as duas infecções apontam que a maior parte se refere a pessoas com o HIV controlado e baixa carga viral.

Mesmo sabendo que o HIV em estágios mais avançados potencializa e agrava o desenvolvimento de outras doenças, a literatura sobre a coinfecção mpox e HIV ainda é escassa. Para suprir essa lacuna, um artigo assinado por Oriol Mitjà, da Fundação de Combate a Doenças Infecciosas, e Mayara Secco, do INI/Fiocruz, entre outros colaboradores*, e publicado no periódico The Lancet em março de 2023, buscou investigar tal associação, partindo da hipótese de que a contagem de linfócitos de CD4 em pessoas com HIV se reflete em sintomas mais graves de mpox.

De maio de 2022 a janeiro de 2023, clínicas de 19 países[1] forneceram dados sobre casos de mpox entre pessoas vivendo com HIV a partir de relatórios enviados aos autores do artigo. O principal parâmetro para a inclusão no estudo foi a de indivíduos com contagem de linfócitos de CD4 abaixo de 350 células/mm3, nos seguintes níveis: (1) CD4 entre 350 a 300 células/mm3, (2) CD4 entre 300 a 201 células/mm3, (3) CD4 entre 100 a 200 células/mm3 e (4) CD4 menor de 100 células/mm3.

Ao todo, 382 casos de mpox entre pessoas vivendo com HIV foram incluídos – 367  gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens, quatro mulheres cisgênero e dez travestis e mulheres transgênero. Dentre os pacientes de casos com sintomas mais severos de mpox, a maioria possuía contagem de CD4 menor de 100 células/mm3, com maiores e mais graves lesões na pele, complicações respiratórias, comprometimento neurológico e infecções bacterianas.

Dos 382 casos avaliados, 107 (28%) indivíduos foram hospitalizados, resultando em 27 mortes, todas de pessoas com menos de 200 células/mm3. Os autores ainda detectaram, no perfil de casos fatais, além do número de CD4, uma maior carga viral de HIV.

Os resultados do estudo demonstraram uma relação inequívoca entre a mpox e o estágio de desenvolvimento do HIV. Mesmo com essa conexão, casos em que pacientes iniciaram ou reiniciaram o tratamento antirretroviral para HIV durante a infecção de mpox não foram bem-sucedidos, trazendo ainda maiores complicações.

Diante desses resultados, os autores sugerem que formas mais severas de mpox sejam incluídas entre as condições definidoras da aids e que pessoas com HIV e contagem de linfócitos de CD4 abaixo de 200 células/mm3 sejam priorizadas em campanhas de vacinação para mpox.

Link para o artigo: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(23)00273-8/fulltext

*Autores do artigo:

Oriol Mitjà (1), Andrea Alemany (1), Michael Marks (3), Jezer Mora (4), Juan Carlos Rodríguez-Aldama (5), Mayara Secco (6), Ever Herrera (7), Brenda Crabtree-Ramirez (7), José Luis Blanco (8), Nicolo Girometti (9), Valentina Mazzotta (10), Aniruddha Hazra (11), Macarena Silva (12), Juan Montenegro-Idrogo (13), Kelly Gebo (14), Jade Ghosn (15), María Fernanda Vázquez (16), Eduardo Prado(17), Uche Unigwe (18), Judit Villar-García (19), Noah Wald-Dickler (20), Jason Zucker (21), Roger Paredes (2), Alexandra Calmy (22), Laura Waters (23), Cristina Galvan-Casas (24), Sharon Walmsley (25) e Chloe Orkin (26)

(1) Departamento de Doenças Tropicais Negligenciadas de Pele e Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis, da Fundação de Combate a Doenças Infecciosas, Hospital Germans Trias i Pujol, Badalona, Espanha

(2) Departamento de Doenças Infecciosas, da Fundação de Combate a Doenças Infecciosas, Badalona Espanha

(3) HospitalUniversitário Germans Trias i Pujol, Badalona, Espanha,Departamento de Pesquisa Clínica, da Escola Londres de Higiene e Medicina Tropical, Londres, ReinoUnido

(4) Clínica Especializada CondesaCuauhtémoc, Cidade do México, México

(5) Clínica Especializada CondesaIztapalapa, Cidade do México, México

(6) Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

(7) Departamento de Infectologia, do Instituto Nacional de CiênciasMédicas e Nutrição Salvador Zubirán, Cidade do México, México

(8) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital Clínico de Barcelona, Universidade Barcelona, Espanha

(9) Departamento de HIV e Medicina Genitourinária, da Westminster Hospital NHS Foundation Trust, Londres, ReinoUnido

(10) Instituto de Doenças InfecciosasLazzaroSpallanzani, IRCCS, Roma, Itália

(11) Departamento de Doenças Infecciosas e Saúde Global, da Universidade deMedicina de Chicago, Chicago, Estados Unidos

(12) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital San Borja Arriarán, Santiago de Chile, Chile

(13) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital Nacional Dos de Mayo, Lima, Peru

(14) Divisão de Doenças Infecciosas, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, Baltimore, Estados Unidos

(15) Departamento de Doenças Infecciosas, Assistência Pública – Hospitais de Paris Nord, Hospital Universitário Bichat, Paris, França

(16) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital Enrique GarcésdelSur, Quito, Equador

(17) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital Nacional ArzobispoLoayza, Lima, Peru

(18) Departamento de Medicina de Doenças Infecciosas,da Universidade Nigeria Teaching Hospital, Enugu, Nigéria

(19) Departamento de Doenças Infecciosas, do Hospital del Mar, Barcelona, Espanha

(20) Condado de Los Angeles e Centro Médico da Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles, Estados Unidos

(21) Escola de Medicina Keck,da Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles, Estados Unidos

(22) Unidade de HIV/AIDS, Divisão de Doenças Infecciosas, Hospitais Universitários de Genebra, Genebra, Suíça

(23) Central and North West London NHS Trust, Londres, ReinoUnido

(24) Departamento de Dermatologia, do Hospital Universitário de Móstoles, Madri, Espanha

(25) Rede Universitária de Saúde, da Universidade de Toronto, Toronto, Canadá

(26) Blizard Institute e SHARE Collaborative, da UniversidadeQueen Mary de Londres, Londres, ReinoUnido


[1]Países incluídos: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Equador, México, Peru, Estados Unidos, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Reino Unido e Nigéria.