PrEP: tecnologia de prevenção

Visão geral do projeto ImPrEP e resultados selecionados

Repetindo os bons resultados colhidos na IAS 2019, o ImPrEP apresentou uma programação bastante diversificada na 11ª Conferência sobre a Ciência do HIV (IAS 2021),  promovida virtualmente pela International Aids Society, de 18 a 21 de julho, com destaque para o simpósio satélite “Implementação da PrEP na América Latina: resultados do projeto ImPrEP”.

A abertura do simpósio foi feita pela pesquisadora principal do ImPrEP, Valdiléa Veloso, que apresentou o painel “Visão geral do projeto ImPrEP e resultados selecionados”. Iniciou a apresentação discorrendo sobre novas infecções por HIV e mortes por Aids na América Latina e Caribe, mostrando que a infecção pelo HIV vem crescendo, sobretudo entre gays/outros homens que fazem sexo com homens (HSH). Em seguida, apresentou dados acerca da prevalência do HIV nessa população e entre travestis e mulheres trans: 18% e 30%, respectivamente no Brasil. No México, esses números ficam em 12% e 8%, e no Peru, em 10% e 31%.

Entre as ações realizadas pelo ImPrEP para o engajamento comunitário, citou a criação de conselhos de educação comunitária, o trabalho de educadores de pares (EPs) para as populações-alvo do estudo, e as atividades por meio  das redes sociais, como os diversos debates virtuais ocorridos desde maio de 2020, que reúnem EPs, especialistas e usuários da profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV.

Também descreveu os diversos estudos e pesquisas que compõem o projeto ImPrEP, entre eles a enquete on-line realizada em 2018, com o público HSH do Brasil, México e Peru, com 58%  dos entrevistados sendo do Brasil, 31% do México e 11% do Peru. Nessa enquete, 69% dos brasileiros, 64% dos mexicanos e 47% dos peruanos mostraram conhecimento sobre a PrEP. Os principais fatores associados ao conhecimento foram alto risco de infecção, maior nível de escolaridade e uso prévio de substâncias psicoativas nos seis meses anteriores. Setenta por cento dos HSH do México disseram ter pré-disposição para usar a PrEP oral diária, enquanto no Brasil esse percentual ficou em 62% e no Peru em 57%. Quarenta e dois por cento dos entrevistados afirmaram preferir a PrEP injetável, 35% o esquema oral diário e 23% a PrEP 2+1+1.

Em relação ao  autoteste para o HIV, no Brasil, 44% dos entrevistados disseram ter vontade de realizá-lo, enquanto no México e no Peru esse número cai para 36% e 32%, respectivamente. Em 2021, o ImPrEP está realizando uma nova rodada  da enquete junto a esse público nos três países. A expectativa é que mais de 20 mil pessoas respondam aos questionários.

Valdiléa  também apresentou os resultados do estudo de demonstração da PrEP conduzido pelo ImPrEP. Iniciou descrevendo as características sociodemográficas dos participantes. Dos 10.410 inscritos (4.165 no Brasil, 3.360 no México e 2.885 no Peru), a maioria tem de 25 a 34 anos (48%), ensino secundário completo (75%) e são não-brancos (73%). O público HSH representa 93% dos participantes e as mulheres trans, cerca de 7%.

Em relação às infecções sexualmente transmissíveis, a clamídia foi detectada em 14%, a gonorreia em 11% e a sífilis em 8% entre os jovens de 18 a 24 anos. Já entre as mulheres trans, esses índices foram de 16%, 12% e 15%, respectivamente. A taxa de incidência de HIV entre os participantes foi de 0.8 por 100 pessoas/ano, sendo maior no Peru e menor no Brasil. A persistência precoce em PrEP foi de 79% entre HSH e de 67% entre as mulheres trans.

As lições aprendidas com a implementação desse estudo demonstrativo também mereceram destaque, como o ImPrEP apresentar bons resultados no engajamento de mulheres trans e HSH em alto risco de HIV e a PrEP oral diária (TDF/FTC) ser acessível às populações-alvo do projeto. Também abordou a questão da descontinuidade no uso da profilaxia, afirmando que jovens HSH e mulheres trans devem ser alvo de ações específicas visando o engajamento na PrEP, com estratégias especiais logo na entrada dos mesmos no programa. Por fim, destacou que a educação comunitária tem papel importante na conscientização sobre a profilaxia, por alcançar as pessoas mais vulneráveis.

Os impactos da Covid-19 no estudo foi outro assunto abordado pela pesquisadora principal. Segundo números apresentados, 28% dos participantes do ImPrEP descontinuaram o uso da PrEP durante a pandemia: 15% no Brasil, 33% no México e 61% no Peru. Quarenta e cinco por cento afirmaram ter praticado abstinência sexual e 65% disseram ter diminuído o número de parceiros sexuais. Os peruanos reportaram alto impacto na vida social, incluindo dificuldades no acesso a alimentos e a serviços básicos de saúde. Os brasileiros reportaram problemas de saúde mental e o aumento do uso de substâncias químicas, enquanto os mexicanos apontaram diminuição da atividade sexual, embora o número de parceiros casuais continuasse acima da média de brasileiros e peruanos.

Também foi abordada a pesquisa de avaliação qualitativa do ImPrEP sobre a implementação da PrEP no Brasil sob a ótica dos stakeholders. Entre os resultados apontados, estão: os problemas de infraestrutura  no sistema de saúde dificultam o acesso de HSH, travestis, mulheres trans e profissionais do sexo à profilaxia; usuários relataram a importância da PrEP em suas vidas e a facilidade de incorporá-la a suas rotinas; materiais de informação sobre prevenção, aplicativos, mobilização comunitária e educadores de pares foram identificados como facilitadores essenciais para o acesso eficaz à profilaxia e ao autoteste de HIV.

As novas tecnologias de PrEP foram o tema a seguir. A pesquisadora falou sobre a importância de novas modalidades de PrEP, como as injeções intramusculares, as pílulas mensais, as injeções subcutâneas, o anel vaginal, o implante subdermal e o adesivo com microagulhas. Nesse sentido, ressaltou o subestudo Experimento de Escolhas Discretas, conduzido pela Fiocruz, que busca saber, entre outros tópicos, a modalidade de PrEP preferida pelos brasileiros. Realizado em Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador, a análise ouviu 355 HSH, 280 mulheres trans e 91 participantes não binários. A eficácia foi considerada o atributo mais importante para a eleição de uma modalidade de PrEP, com a maioria apontando a profilaxia injetável de longa duração como a preferida.

Outro subestudo citado foi o relativo ao impacto da PrEP na transmissão do HIV entre gays, bissexuais e HSH nos centros urbanos do Brasil, que mostrou: 1) a incidência de HIV diminui 32% depois de cinco anos da introdução da profilaxia no país; 2) a expansão da profilaxia nas principais cidades brasileiras pode ter um impacto substancial na redução do HIV nos próximos dez anos; 3) o foco nos jovens pode aumentar o efeito positivo da implementação da profilaxia. O estudo revelou, ainda, que uma intervenção de PrEP que alcançasse 10% dos HSH em cinco anos poderia evitar até 501 novas infecções no Rio de Janeiro, 133 em Salvador e 119 em Manaus, e que uma intervenção que atingisse 60% entre essa mesma população em 24 meses poderia evitar em até dez vezes novas infecções nessas três cidades.