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DIA INTERNACIONAL CONTRA A LGBTIFOBIA

Confira a entrevista concedida por Julio Moreira, coordenador comunitário para a população HSH do projeto ImPrEP Brasil e diretor do Grupo ArcoÍris de Cidadania LGBT, do Rio de Janeiro, sobre essa data: história, lutas e desafios.

Quando e onde foi criado o Dia Internacional contra a LGBTIfobia?

Símbolo da luta pela diversidade sexual, em 17 de maio é celebrado o Dia Internacional de contra a LGBTIfobia. Vale ressaltar que LGBTIfobia é qualquer forma de discriminação, preconceito, medo ou aversão às orientações sexuais, identidades e expressões de gênero e características sexuais não hegemônicas referentes aos seres humanos.Tudo se deu num processo longo de desconstrução. A homossexualidade durante a história ocidental foi classificada por muito tempo como algo não natural, pecado, crime e então doença, idéia que perdurou como padrão até o início do século XX.

Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria publicou o seu primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), incluindo a homossexualidade como uma desordem, sem qualquer base empírica ou científica, ou seja, não havia nenhuma comprovação que a homossexualidade fosse um distúrbio ou anormalidade. Em razão disso, a associação, em 1973, acabou por retirar a homossexualidade do DSM, afirmando que “a homossexualidade em si não implica qualquer prejuízo no julgamento, estabilidade, confiabilidade ou capacidades gerais sociais e vocacionais.” Depois de uma profunda revisão de dados científicos, a entidade adotou a mesma posição em 1975, exortando todos os profissionais de saúde mental “para assumir a liderança em eliminar o estigma de doença mental que há muito tem sido associado com orientações homossexuais.” A Associação Nacional dos Trabalhadores Sociais dos EUA adotou política similar.

No Brasil, ainda na primeira metade da década de 1980, o Grupo Gay da Bahia tomou a frente da batalha pela despatologização da homossexualidade, organizando manifestações nos encontros anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, angariando o apoio do então ministro da Previdência Social, Jair Soares, organizando um abaixo-assinado que contou com mais de 16 mil assinaturas e obtendo a aprovação da Associação Brasileira de Antropologia, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, entre outras instituições. Em fevereiro de 1985, o Conselho Federal de Medicina atendeu à reivindicação, retirando o “homossexualismo” do código 302.0.

Em 1984, a Associação Brasileira de Psiquiatria posicionou-se contra a discriminação e considerou a homossexualidade como algo não prejudicial à sociedade. Um ano depois, o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerá-la como um desvio sexual e, em 1999, estabeleceu regras para a atuação dos psicólogos em relação a questões de orientação sexual, declarando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e que os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura.

Finalmente – após todo o acúmulo em pesquisas e literaturas clínicas demonstrando que atração sexual e romântica pelo mesmo sexo são sentimentos e comportamentos normais e variações positivas da sexualidade humana – a Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovou a retirada da homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), durante a 43ª Assembleia Mundial da Saúde em 17 de maio de 1990.

Desde então, o movimento mundial LGBTI+ considera essa data um marco. Ou seja, há 30 anos, a comunidade internacional reconhece que se relacionar com pessoas do mesmo sexo é um comportamento humano natural, e não algo que deve ser tratado de forma clínica. Recentemente, em 2018,a OMS apresentou a CID-11. Dentre as mudanças, a transexualidade foi retirada da lista dos problemas de saúde mental e realocada como incongruência de gênero, atualizando e padronizando mundialmente a identidade de gênero. A oficialização desta normativa se deu durante a 72º Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, em 2019.

Qual a importância dessa celebração em tempos em que o preconceito parece aflorar mais forte em diversas partes do mundo?

Estamos vivendo num momento da história bastante singular. Temos todo o medo que uma pandemia de níveis catastróficos somado a questões políticas e suas polarizações, os antagonismos ideológicos e a crise do capitalismo acirremos piores sentimentos do ser humano como o ódio, o preconceito, o estigma, a discriminação, o autoritarismo, o racismo, o machismo, a xenofobia, entre outros. Não é diferente do que acontece com aqueles que não se enquadram nos padrões hegemônicos de uma sociedade. Por isso, a população LGBTI+ vem ao longo da história sendo marginalizada e perseguida. Lembrar da data 17 de maio é recontar a história, resistir, se tornar visível e ter o nosso lugar de direito na sociedade.

Não podemos esquecer que, no mundo, cerca de 70 países ainda consideram ilegais os atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo, muitas penalizadas com aprisionamento por mais de 8 anos – em 11 países, com pena de morte possível ou efetiva. Além disso, 34 Estados membros da ONU possuem legislações e regulamentações que restringem o acesso à informação e liberdade de expressão em relação aos temas sobre orientação sexual, identidade e expressão de gênero e as características sexuais.

O Brasil registrou, em 2019, 1.685 denúncias de violência contra a população LGBTI (dados registrados pelo Disque 100). Informações do portal UOL revelam, ainda, uma questão alarmante: 8.027 pessoas LGBTs foram assassinadas no Brasil entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero.De acordo com o Grupo Gay da Bahia, foram 329 mortes violentas no ano passado (297 assassinatos e 32 suicídios), a maioria provocada por opressão e preconceito em casa, na rua e nas redes sociais. Em 2019, 1 pessoa LGBTIfoi assassinada a cada 26 horas no país.


OBrasil ocupa o 1º lugar no ranking de países que mais matam pessoas transexuais no mundo. Entre 1 de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018, 167 transexuais foram mortos por aqui. Pesquisa feita em 72 países,classificou o México como segundo lugar mais violento, com 71 vítimas. Depois, vem os Estados Unidos, com 28, e Colômbia, com 21 casos.Não são dados insignificantes.

De que forma esse dia foi comemorado no país em tempos de pandemia?

Estamos vivendo tempos de isolamento social. Em razão disso, o mundo está aprendendo a se comunicar usando toda a tecnologia disponível, em especial as redes sociais. Sendo assim, organizações brasileiras prepararam vídeos, lives em redes com Facebook, Instagram, canais do Youtube, posts e cartazes virtuais, shows online, mensagens em listas de transmissão e o que mais a criatividade possibilitou.

Essas manifestações e eventos auxiliam na capilaridade de uma mensagem positiva e inclusiva. Possibilitam dar voz aos invisíveis, fazer com que a sociedade toda nos conheça e desperte um processo de empatia. Sem empatia não conseguimos avançar para uma sociedade mais equânime e que respeite e valorize a sua própria diversidade.

Como avalia os movimentos sociais brasileiros em prol da luta contra a homofobia?

Os movimentos sociais organizados, redes, ONGs e coletivos são essenciais para provocar a mudança positiva que desejamos. Não podemos deixar de reconhecer que foi por meio da visibilidade das paradas do orgulho LGBTI+ e de muitas ações de incidência política no país que conquistamos legislações protetivas e de equiparação de direitos; conseguimos que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo e posteriormente o casamento civil. O mesmo STF ainda reconheceu o direito ao nome social de pessoas travestis e transexuais, e equiparou a LGBTIfobia ao crime de racismo.

O que destaca na atuação do Grupo Arco-Íris?

O Grupo Arco-Íris faz parte de toda essa história de conquistas durante os seus 27 anos de existência. Durante esse processo da pandemia, temos dado suporte a pessoas LGBTI+ da cidade do Rio de Janeiro e Grande Rio recolhendo doações e repassando cestas básicas de alimentos, materiais de limpeza e higiene pessoal. Contamos ainda com o apoio de instituições governamentais e não-governamentais parceiras, como o Instituto Transformar, o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fiocruz, a Casa Nem, o Grupo Conexão G, o Viva Rio, CESE, AHF, Programa Rio Sem LGBTfobia, CEDS Rio, entre tantas.

Como avalia a PrEPe o projeto ImPrEP no atual contexto social brasileiro?


A PrEP surge como algo revolucionário dentro do que chamamos de prevenção combinada. É um instrumento que possibilita a escolha no cuidado para o indivíduo. Além disso, é uma porta de entrada para o monitoramento da saúde sexual, tendo em vista que muitas pessoas não se preocupam ou não têm acesso a esse cuidado com o corpo. Fazer exames, visitas e consultas clínicas torna-se uma rotina e possibilita respostas mais rápidas a qualquer problema de saúde. O projeto ImPrEP têm como objetivo fazer o monitoramento da política pública da PrEP. Já sabemosque a oferta está aquém da demanda. Precisamos avançar com os órgãos públicos de saúde para ampliarmos a cobertura, diminuir a fila de espera e capacitar mais profissionais da saúde para o serviço e principalmente um atendimento humanizado e acolhedor, respeitando toda essa diversidade de corpos e expressões humanas.

Qual o principal desafio a ser vencido pelos movimentos LGBTI+ no Brasil?

O principal desafio é termos governantes que nos reconheçam como cidadãos de direito, que o Congresso Nacional legisle para todos possibilitando a proteção da população LGBTI+ e a equiparação de direitos e que o Judiciário não deixe impune qualquer tipo de violência ou injustiça, fazendo valer as premissas pétreas de nossa Constituição quanto o respeito à vida e o tratamento isonômico.

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