Impactos da Covid-19 na testagem, infecções recentes e incidência de HIV entre HSH, travestis e mulheres transgênero
Ainda que muitos impactos da pandemia de Covid-19 sejam largamente conhecidos, seus efeitos indiretos sobre o cuidado e a prevenção de outras condições de saúde ainda estão sendo desvendados. Para compreender os impactos da pandemia sobre o HIV, um estudo comparou a dinâmica de infecções do vírus entre o período pré e pós-pandêmico.
O artigo foi publicado na edição de setembro do Journal of Acquired Immune Deficiency Syndrome, com autoria de Cristina Jalil, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Fiocruz-RJ, e outros autores*, tendo tomado como parâmetros de comparação o resultado de testes de HIV, a infecção recente e a incidência anual entre gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e mulheres trans. Os participantes foram incluídos ao procurar o serviço de testagem para HIV no INI/Fiocruz de março de 2018 a janeiro de 2022. Foram contabilizados no estudo 4.590 pessoas (3.024 no período pré-pandêmico e 1.566 durante a pandemia).
No total, 593 (12,9%) testes positivos para HIV foram registrados no período, com 119 (2,6%) casos de infecção recente. A comparação entre os períodos pré e pós-pandemia demonstrou não haver alteração significativa na porcentagem de infecções recentes, sendo as taxas anuais de novas infecções de 6% antes e 6,6% depois da pandemia. No entanto, mesmo sem alteração nas taxas de incidência anuais, notou-se maior concentração de novos casos entre mulheres trans (8,4%), jovens de 18 a 24 anos (7,8%), pessoas negras (7,9%) e aquelas com menos de 12 anos de escolaridade (7,8%).
O artigo reforça ainda que, devido às restrições impostas pela pandemia de Covid-19, mais pessoas haviam procurado o teste de HIV no INI/Fiocruz no período pré-pandêmico. Também aponta que, durante a pandemia, o perfil sociodemográfico dos que buscaram a testagem mudou. Em comparação com o período anterior à pandemia, foi observado um aumento na procura por parte de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e com comportamentos de maior risco para o HIV.
Os resultados do estudo reforçam o fato de novas infecções de HIV afetarem desproporcionalmente populações mais vulneráveis. Embora não tenha havido alteração significativa no número total de casos, a incidência de HIV já era alta antes da pandemia de Covid-19, tendo assim permanecido, além de se concentrar mais em jovens, pessoas negras, travestis e mulheres trans. Dessa forma, é provável que os impactos da pandemia de Covid-19 sobre a epidemia de HIV persistam, agravando ainda mais os desfechos relacionados ao HIV, especialmente entre as populações mais vulneráveis.
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*Autores do artigo:
Cristina Jalil (1), Sylvia Teixeira (2), Carolina Coutinho (1), Sandro Nazer (1), Eduardo Carvalheira (1), Brenda Hoagland (1), Sandra Wagner (1), Paula Luz (1), Valdiléa Veloso (1), Beatriz Grinsztejn (1), Emilia Jalil (1) e Thiago S. Torres (1).
(1) Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil.
(2) Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil.