Novas tecnologias para PrEP
A profilaxia pré-exposição (PrEP) do HIV, aprovada e disponível pelo SUS desde 2018, é baseada no uso de um comprimido oral diário de fumarato de tenofovirdesoproxilaeentricitabina (TDF/FTC). No entanto, novas tecnologias para PrEP se encontram em desenvolvimento. Diversos estudos testam atualmente alternativas à PrEP, seja através de novos medicamentos por via oral, seja por outros métodos de aplicação, como administração via doses injetáveis, anéis vaginais, géis e anticorpos monoclonais.
A seguir, encontra-se um panorama sobre as novas tecnologias para PrEP em pesquisa. Os dados foram apresentados no artigo Profilaxia pré-exposição 2.0: novos medicamentos e tecnologias em andamento, publicado recentemente (setembro de 2019) na The Lancet HIV por pesquisadores do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz (INI-Fiocruz) em parceria com a Universidade da Califórnia (UCLA)*. (Pre-exposure prophylaxis 2.0: new drugs and technologies in the pipeline, resumo original: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31558423).
Novos medicamentos para PrEP oral
- Tenofovir alefanamida (TAF): um novo modo de preparar o tenofovir (novo pró-fármaco), com eficácia similar ao tenofovirdesoproxila. A eficácia do TAF em combinação com a entricitabina foi verificada em um estudo clínico de fase 3 duplo-cego com um grupo de mulheres trans que fazem sexo com homens e homens cis que fazem sexo com homens (HSH) na Europa e Estado Unidos. No entanto, novos estudos são necessários para avaliar possíveis efeitos adversos e a eficácia em outras populações, como mulheres cis, homens trans e usuários de drogas intravenosas.
- Islatravir: será testada a segurança, tolerabilidade e farmacocinética desse novo medicamento. Ao invés da ingestão diária da fórmula TDF/FTC, espera-se uma eficácia do Islatravir com uso mensal.
- Maraviroc: medicamento cuja segurança e tolerabilidade para PrEP foram testadas em um estudo de fase 2 de 48 semanas em mulheres cis, mulheres trans e HSHs. Os resultados de eficácia, no entanto, não foram satisfatórios.
PrEP com medicamentos injetáveis
A PrEP injetável é uma promissora alternativa à PrEP oral. Além de não necessitarem de ingestão diária de medicamento, possui efeito a longo prazo no organismo, podendo chegar a vários meses. Dentre as opções injetáveis atualmente testadas, há:
- Cabotegravir de longa duração: o cabotegravir pode ser formulado em comprimidos ou como medicamento injetável de longa duração para uso intramuscular. Estudos de fase 2 (ÉCLAIR e HPTN 077 – este segundo tendo o Brasil como um dos países participantes) atestaram a segurança do cabotegravir em pessoas com baixo risco de infecção pelo HIV. Dor leve no local de injeção foi o evento adverso mais relatado pelos voluntários. Atualmente, dois estudos de fase 3 (HPTN 083 e HPTN 084) estão comparando o cabotegravir injetável (administrado a cada oito semanas) com a PrEP oral (TDF/FTC). Com resultados definitivos previstos para 2021-2022, os estudos HPTN083 e HPTN084 contam com quase 8 mil participantes e incluem diversos locais do mundo, inclusive no Brasil. Saiba mais sobre o estudo HPTN083 em https://giveprepashot.org/pt/.
- Rilpivirina de longa duração: disponível para administração intramuscular. Dois estudos de fase 1 (SSAT040 e MRWI01R) avaliaram a farmacocinética da rilpivirina no reto masculino e trato genital feminino. Questões sobre a necessidade de métodos complexos de armazenamento são obstáculos para o desenvolvimento da rilpivirina para a PrEP.
Anticorpos:
Usados como prevenção e tratamento de infecção ao longo da história, os anticorpos monoclonais são adotados há muito para tratar de doenças humanas como câncer e Ebola. A chamada imunoprofilaxia com anticorpos monoclonais neutralizadores de HIV-1 é uma promissora forma de prevenir a infecção por HIV. Apesar dos altos custos, espera-se que os anticorpos monoclonais tenham perfis de segurança e farmacocinética favoráveis, permitindo maiores intervalos entre administração, aspecto essencial para aumentar a adesão. Como fator adverso, os anticorpos monoclonais requerem atualmente administração intravenosa, o que pode não ser aceito por muitos. O VRC01 é o único anticorpo monoclonal em fase 2b (Estudo AMP), sendo avaliado em 1.902 mulheres cis da África subsaariana e 2.700 HSHs e pessoas trans que fazem sexo com homens nas Américas, incluindo o Brasil. Os resultados desse estudo estão previstos para 2020. Saiba mais sobre o estudo AMP em https://ampstudy.org.br/about.
Anéis vaginais:
Dapivirina é um antirretroviral capaz de inibir o HIV e desenvolvido para uso tópico. A eficácia do anel vaginal de dapivirina foi verificada em diversos estudos de fase 3, sendo observada uma redução no risco de infecção pelo HIV de até 63%. Atualmente, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) está avaliando o pedido de registro do anel vaginal de dapivirina.
Outros agentes tópicos da PrEP:
Otenofovir gel demonstrou ser eficaz na prevenção do HIV. Em mulheres, o tenofovir gel se mostrou seguro e reduziu as chances de infecção pelo HIV em 39% quando usado antes e depois do sexo vaginal. Para administração retal, o tenofovir gel se mostrou eficaz em mulheres trans e HSHs em estudos de fase 1 (MTN-007 e CHARM-01). O estudo de fase 2 MTN-017 comparou o tenofovir gel com administração retal com a PrEP oral (TDF/FTC) diária. A adesão ao uso intermitente do gel e da PrEP oral foi semelhante, mas menor do que a necessária para o uso diário do gel. Tabletes vaginais de liberação prolongadas com tenofovir e gelucire também estão sob investigação e em fase pré-clínica. Do mesmo modo, o tenofovir em filme dissolvente para uso vaginal se mostrou seguro e bem tolerado em um estudo de fase 1 (FAME 04).
Tecnologias de prevenção multiuso:
Uma classe inovadora de produtos que estão agora em desenvolvimento combina prevenção ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) com ou sem contracepção. No entanto, a implementação ainda encontra diversos desafios envolvendo a complexidade do desenvolvimento de produtos e regulamentação. Algumas dessas tecnologias de prevenção, no entanto, estão entrando em fase de estudo clínico. Um exemplo é o uso de anel vaginal de dapivirina com levonorgestrel (contraceptivo), em estudo na fase 1 com o projeto MTN-030/IPM-041.
Implantes:
Já presentes em diversos tratamentos, os implantes subdermais permitem uma liberação controlada de medicamentos. Dentre as vantagens sobre outros métodos, os implantes permitem a suspensão imediata da PrEP em caso de reações adversas, ao contrário de injeções de longa ação, que permanecem mais tempo no organismo após a suspensão. O estudo CAPRISA-018 deve iniciar ainda este ano e irá avaliar a segurança, aceitabilidade e efetividade de TAF como implante subdermal para PrEP em mulheres cis na África do Sul.
Sistemas transdérmico de administração de medicamento:
Proporcionam uma liberação controlada de medicamentos da pele para o sistema circulatório. Tal alternativa da PrEP possui como vantagem sobre as outras a maior facilidade e rapidez na suspensão do tratamento de terapias injetáveis ou implantáveis. Os estudos com esse método, entretanto, ainda não se iniciaram com seres humanos.
É importante ressaltar que a pesquisa pela diversificação dos métodos de PrEP não ocorre pela baixa eficácia da PrEP oral disponível. Quando tomada corretamente, a PrEP em doses de TDF/FTC fornece proteção comprovada de 96% contra o HIV. A oscilação na eficácia desse método se deve especialmente a dificuldades na adesão aos comprimidos. Diversos estudos já provaram que fatores como contexto sociocultural, de gênero, idade e escolaridade influenciam na adequação à exigência de uma pílula diária.
Ampliar a disponibilidade de métodos (como a PrEP injetável, com anel vaginal, uso tópico ou mesmo por via oral em menor dosagem) permite alcançar esses diferentes perfis. O sucesso da empreitada, porém, depende da continuidade dos estudos que avaliam a eficácia, segurança e farmacocinética desses outros métodos. Espera-se, com isso, que as populações para quem a PrEP é indicada possam escolher o método mais adequado a seu estilo de vida, potencializando o sucesso da prevenção contra o HIV.
*Autores do estudo e do artigo: Lara Esteves Coelho, Thiago Silva Torres, Valdiléa Veloso (INI/Fiocruz), Raphael J. Landovitz (UCLA) e Beatriz Grinsztejn (INI/Fiocruz).