2018 Espaço HSH Espaço Trans PrEP: tecnologia de prevenção

Resultados da PrEP Brasil evidenciam o sucesso da PrEP no contexto brasileiro

No mês passado, a equipe da PrEP Brasil publicou um artigo na revista The Lancet HIV. No texto, foram divulgados os resultados de um ano do estudo PrEP Brasil, abrangendo o período de 1 de abril de 2014 a 8 de julho de 2016. A importância desta publicação foi ressaltada pelo editorial da revista. Os editores destacaram a tradição pioneira do Brasil no tratamento de HIV na América Latina – país que foi, por exemplo, o primeiro da região a oferecer tratamento antirretroviral gratuito para portadores de HIV e participou do iPrEx, estudo que provou a eficácia da PrEP e envolveu diversos outros países do mundo.

Em 2018, sete países da América Latina e Caribe irão iniciar estudos de demonstração com a PrEP em seus territórios; outros três países já iniciaram a implementação da PrEP com financiamento público. A sociedade civil tem desempenhado um papel crucial para a expansão da PrEP. Grupos como o GayLatino e sites como Quiero PrEP declaram apoio à PrEP e ajudam a promover sua divulgação, algo crucial para se fundamentar junto ao governo  importância de se incluir a PrEP no sistema público de saúde.

O artigo Retenção, engajamento e aderência à PrEP para HSHs e mulheres trans no PrEP Brasil: os resultados de 48 semanas de um estudo de demontração[1]

Os resultados do artigo apresentado pela equipe do estudo PrEP Brasil[2] correspondem aos 450 voluntários acompanhados em três centros de referência para prevenção do HIV: um no Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, e dois em São Paulo, USP e Centro de Referência e Treinamento em DST e AIDS. Os voluntários eram homens que fazem sexo com homens (HSHs), travestis e mulheres trans, com status negativo para o HIV, maiores de idade e residentes em alguma das cidades participantes. Eram considerados elegíveis para o estudo os participantes que relatassem ter tido um ou mais episódio sexual com risco de infecção de HIV, sexo anal sem camisinha com um ou mais parceiros, um ou mais episódio de sexo anal com parceiro HIV positivo ou histórico de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

Ao longo de um ano, os participantes compareciam ao centro de saúde em visitas agendadas para receber o medicamento da PrEP (emtricitabina/tenofovir ou FTC/TDF), avaliar o comportamento sexual e os possíveis uso de drogas, assim como fazer testagem para HIV e outras ISTs. Em cada visita, era fornecido ainda aconselhamento sobre redução de comportamento de risco e sobre adesão ao medicamento da PrEP. Um questionário avaliava o comportamento sexual no período anterior a cada visita. Por fim, amostras de sangue eram coletadas para avaliar o nível de FTC/TDF no organismo, permitindo assim avaliar se o voluntário estava tomando a PrEP na dose recomendada (adesão à PrEP).

Dentre os 450 participantes que iniciaram a PrEP, 375 compareceram na visita de um ano de estudo (semana 48), o que denota uma retenção ou permanência no estudo de 83%. Do número total de 375 voluntários que compareceu na semana 48, 277 (74%) possuíam níveis satisfatórios de medicamento no sangue, o que mostra também uma ótima adesão à PrEP. De modo geral, esta adesão foi maior entre participantes de São Paulo do que no Rio de Janeiro – 183 (82%) de 222 participantes dos centros paulistanos e 94 (63%) dos 150 da capital carioca.

A adesão é ainda um dos maiores desafios para a implementação da PrEP. Seu sucesso determina que a população para quem a PrEP é indicada permaneça protegida contra o risco de infecção do HIV. Dois grupos requerem especial atenção neste tópico – o de HSHs jovens e o de travestis e mulheres trans.

Dos 113 voluntários entre 18-24 anos que participaram da PrEP Brasil, 7 (6%) não compareceram à visita da semana 4 (após um mês de estudo) e 21 (19%) não compareceram à visita da semana 48. A porcentagem de participantes com quantidade satisfatória de FTC/TDF no sangue diminuiu ao longo do tempo – de 88 participantes (78%) na semana 4 para 67 (59%) na semana 48. Para os HSHs jovens, ao contrário da tendência geral do estudo, o sexo anal receptivo sem camisinha tendeu a aumentar ao longo do estudo – 52% no início da participação na PrEP Brasil e 61% na semana 48. Contudo, tal diferença não foi estatisticamente significativa.

Dentre as travestis e mulheres trans voluntárias (total de 25 participantes), 2 (8%) perderam a visita na semana 4, enquanto 13 delas (52%) não compareceram na semana 48. Já a concentração de medicamento detectada durante as visitas foi satisfatória em 17 (74% do total de 23 participantes) na visita da semana 4 e 13 voluntárias (62% do total de 21) na semana 48.

Os autores do artigo ressaltaram a importância do aconselhamento para reforçar a adesão à PrEP, especialmente se direcionada a grupos e pessoas que mais precisam de incentivo. Além do aconselhamento durante as visitas, outra importante estratégia adotada pelo PrEP Brasil foi enviar mensagens de texto para reforçar a importância da adesão aos medicamentos. Esta estratégia foi relevante para aumentar a adesão à PrEP entre os jovens.

Duas relações importantes foram verificadas pelos autores do artigo: uma maior adesão à PrEP entre aqueles que reportaram ter feito sexo com um parceiro vivendo com HIV em comparação com aqueles que não reportaram; ao mesmo tempo, notou-se uma maior adesão entre os que relataram usar drogas estimulantes (por exemplo, cocaína, ecstasy, GHB etc) frente aos que não usaram. A proporção de participantes relatando sexo sem camisinha receptivo (como passivo) não variou significativamente ao longo do tempo. O número de parceiros sexuais nos últimos 3 meses, no entanto, tendeu a diminuir com o tempo (11,4 parceiros no início do estudo para 8,3 parceiros na semana 48).

Durante o estudo, 2 participantes contraíram o vírus do HIV – um na semana 24 e outro na semana 36. Nenhum dos dois, no entanto, possuía níveis de FTC/TDF no sangue, o que indica que não estavam ingerindo os medicamentos quando foram infectados.

Não houveram evidências de aumento de atividade sexual em situações de risco ao longo das 48 semanas de participação, algo conhecido como compensação de risco. Tal tópico é uma das principais questões relativas à implementação da PrEP, pois a compensação sugere que uma maior proteção contra o HIV possuiria como contrapartida um aumento na exposição a situações de risco. Os resultados do PrEP Brasil, no entanto, evidenciam que, no contexto brasileiro, a compensação de risco não reduz os benefícios da PrEP.

Por fim, os resultados do PrEP Brasil demonstram altos índices de retenção, comprometimento e adesão, reforçando a viabilidade da PrEP no contexto do mundo real em países de renda média, como o Brasil. Em especial, os dados apresentados reafirmam a possibilidade e eficácia da distribuição da PrEP pelo sistema público de saúde. Mesmo grupos com maior dificuldade em seguir a PrEP (como, por exemplo, HSHs jovens) podem manter altas taxas de adesão, caso se adote estratégias específicas para motivá-los.

Veja o link para o resumo do artigo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29467098

[1] Título no original “Retention, engagement and adherence to pre-exposure prophylaxis for men who have sex with men and transgender women in PrEP Brasil: 48 week results of a demonstration study”

[2] O texto foi escrito pelos autores Beatriz Grinsztejn, Brenda Hoagland, Ronaldo I Moreira, Esper G Kallas, Jose V Madruga, Silvia Goulart, Iuri C Leite, Lucilene Freitas, Luana M S Martins, Thiago S Torres, Ricardo Vasconcelos, Raquel B De Boni, Peter L Anderson, Albert Liu, Paula M Luz e Valdiléa G Veloso, em nome da Equipe do Estudo PrEP Brasil.