Embora gays, bissexuais e outros homens cisgênero que fazem sexo com homens (HSH), travestis e mulheres trans estejam em maior vulnerabilidade para o HIV na América Latina, a implementação da profilaxia pré-exposição (PrEP) ainda é limitada na região. O estudo “Início no mesmo dia da PrEP oral entre HSH e mulheres trans no Brasil, Peru e México: um estudo prospectivo, de braço único, aberto e multicêntrico”, conduzido por Valdiléa Veloso, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas /Fiocruz, e outros colaboradores do Grupo de Estudos ImPrEP*, teve como objetivo avaliar a viabilidade da oferta imediata de PrEP oral nesses três países. A pesquisa, que traz os resultados finais do estudo, foi publicada, em 21 de dezembro de 2022, na revista The Lancet HIV, com livre acesso ao artigo (https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanhiv/PIIS2352-3018(22)00331-9.pdf)

Foram elegíveis para a análise indivíduos maiores de 18 anos, com teste de HIV negativo e que relatassem um ou mais critérios de risco pré-especificados. Os participantes incluídos receberam a PrEP oral diária no mesmo dia. As visitas de acompanhamento foram agendadas para a quarta semana e, posteriormente, a cada três meses.

Modelos de regressão logística foram utilizados para identificar fatores associados à perda precoce de acompanhamento (não retornar ao serviço de saúde após inclusão no estudo), adesão à profilaxia (taxa de posse de medicamento maior ou igual a 0,6) e retenção de longo prazo (comparecimento a três ou mais visitas em 52 semanas).

Entre fevereiro de 2018 e junho de 2021, 9.509 foram incluídos na análise (3.928 do Brasil, 3.288 do México e 2.293 do Peru). Oito mil, novecentos e sessenta e seis participantes (94,3%) eram HSH, 543 (5,7%) travestis e mulheres trans, cabendo destacar que 2.481 da amostra (26,1%) tinham de 18 a 24 anos.

A incidência de HIV foi baixa (0,85/100 pessoas-ano de acompanhamento), com destaque a ocorrência entre travestis, mulheres trans, voluntários do Peru, indivíduos de 18 a 24 anos, negros e pessoas com baixa adesão à PrEP. Setecentos e noventa e cinco (8,4%) do total dos participantes tiveram perda precoce de acompanhamento, 6.477 (68,1%) aderiram à profilaxia e 5.783 (70,3%) de 8.225 indivíduos apresentaram retenção de longo prazo.

Travestis, mulheres trans e voluntários entre 18 e 24 anos tiveram mais chances de perda precoce de acompanhamento. Esse mesmo recorte de público, acrescido dos que tinham ensino médio, apresentaram menores chances de retenção de longo prazo. A incidência de sífilis foi de 10,09/100 pessoas-ano de acompanhamento. Os índices de clamídia retal e gonorreia na inclusão foram de 9,2% e 11,8%, respectivamente, mas diminuíram ao longo do estudo.

De acordo com os autores, a oferta imediata de PrEP é viável para HSH, travestis e mulheres trans na América Latina. Nesse sentido, os determinantes sociais e estruturais de risco para o HIV precisam ser abordados para a plena realização dos benefícios da profilaxia.

*Autores do trabalho:

Valdiléa Veloso (1), Carlos  Cáceres (2), Brenda Hoagland (1), Ronaldo I. Moreira (1), Hamid Vega-Ramírez (3), Kelika Konda (2), Iuri C. Leite (4),Sergio Bautista-Arredondo (5), Marcus Lacerda (6), José Valdez Madruga (7), Alessandro Farias (8), Josué N. Lima (9), Ronaldo Zonta (10), Lilian Lauria (11),Cesar Tamayo (12), Hector Salvatierra Flores (13), Yovanna Cabrera Santa Cruz (14), Ricardo Moreno Aguayo (15), Marcelo Cunha (4), Júlio Moreira (1), Alessandra Ramos Makkeda* (1), Steven Díaz (16), Juan V. Guanira (2), Heleen Vermandere (5), Marcos Benedetti (1), Heather Ingold (17), Cristina Pimenta (18), Thiago Torres (1) e Beatriz Grinsztejn (1), do Grupo de Estudos ImPrEP.

(1)Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro,Brasil 

(2)Centro de Investigações Interdisciplinares em Saúde, Sexualidade e Aids, Universidade Peruana Cayetano Heredia, Lima, Peru

(3)Instituto Nacional de Psiquiatria Ramón de la Fuente Muñiz, Cidade do México, México

(4)Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro,Brasil

(5)Instituto Nacional de Saúde Pública, Cuernavaca, México

(6)Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado, Manaus, Brasil

(7)Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, São Paulo, Brasil

(8)Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa, Salvador, Brasil

(9)Centro de Referência em IST/AIDS, Campinas, Brasil

(10)Policlínica Centro, Florianópolis, Brasil

(11)Hospital Municipal Rocha Maia, Rio de Janeiro, Brasil

(12)Centro de Referência de Infecções Sexualmente Transmissíveis do Centro Materno Infantil Tahuantinsuyo Bajo, Lima, Peru

(13)Centro de Referência de Infecções Sexualmente Transmissíveis do Centro de Saúde Alberto Barton, Callao, Peru

(14)Centro de Referência de Infecções Sexualmente Transmissíveis de Caja de Agua, Lima, Peru

(15)Centro de Referência de Infecções Sexualmente Transmissíveis do Hospital Amazônico Pucallpa, Ucayali, Peru

(16)Fundo de População das Nações Unidas, Cidade do México, Mexico 

(17)Unitaid, Genebra, Suíça

(18)Ministério da Saúde, Brasília, Brasil

*In memoriam

Fonte: site da revista The Lancet HIV, de 21 de dezembro de 2022.

https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanhiv/PIIS2352-3018(22)00331-9.pdf