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Pesquisa com investigação sorológica avalia o impacto da Covid-19 em comunidades do Complexo de Manguinhos (RJ)

A pandemia de Covid-19 teve no Brasil desafios de diversas ordens, como a demora para o início do programa de vacinação, a subnotificação no número de infecções e mortes, e a falta de uma testagem em larga escala. Além desses fatores, a desigualdade nas condições para se cumprir medidas de distanciamento social fizeram com que o alto número de infecções e mortes no país, ainda que atingindo todas as classes sociais, tenha se concentrado em populações mais pobres.

Dada a inexistência de um programa de testagem em massa, estudos com detecção e prevalência de anticorpos no sangue com uma amostragem da população são essenciais para o monitoramento da pandemia, já que o resultado reagente para o teste demonstra se o voluntário já se infectou pela doença. O estudo Comvida-1 buscou detectar a presença de anticorpos do tipo IgGpara a Covid-19 em 16 comunidades do Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro, com inscritos a partir de 1 ano de idade.

Ainda que estudos mais amplos tenham incluído comunidades pobres, uma análise especialmente direcionada para as populações desses locais permite entender melhor como as desigualdades raciais e socioeconômicas impactaram na pandemia, além de permitir fundamentar, no caso da Covid-19, a adoção de medidas de relaxamento ou maior rigidez do isolamento social.

Os resultados do Comvida-1 foram publicados no artigo Prevalência e prenunciadores da sorologia anti-SARS-CoV-2 em uma população vulnerável do Rio de Janeiro: uma pesquisa sorológica populacional, publicado no periódico The Lancet em julho de 2022. Entre os autores, Lara E. Coelho, Paula M. Luz, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz/Rio de Janeiro, e outros colaboradores de diversas instituições*

A seleção de possíveis voluntários se deu aleatoriamente a partir da base de dados de duas clínicas da família que atendem à região do Complexo de Manguinhos. O contato foi feito por uma equipe de entrevistadores e laboratoristas, que visitavam os endereços e perguntavam pelo interesse na participação no estudo. Aqueles que aceitaram, realizaram entrevistas e forneceram amostras de sangue.

De setembro de 2020 a fevereiro de 2021, 4.033 participantes foram incluídos no estudo, dos quais 61% eram mulheres, 41% pardos e 23% negros. A prevalência de anticorpos para Covid-19 foi de 49%, índice maior do que o previsto pelos autores da análise. Os principais fatores associados foram: ser jovem adulto, pertencer ao gênero masculino, morar em residências com mais de três pessoas, ter pouca adesão às medidas de distanciamento social e fazer uso do transporte público como forma principal de deslocamento.

Os resultados demonstram o alto impacto da pandemia sobre populações mais vulneráveis e marginalizadas. Os autores do artigo interpretam essa disparidade por fatores como condições precárias de habitação e renda de muitos moradores de comunidades.

Uma segunda análise do projeto Comvida-1 comparou os resultados do tipo principal de teste de anticorpos usado como parâmetro (o teste de anticorpos direcionados contra a proteína spike) com um segundo tipo (o teste direcionado contra a proteína do nucleocapsídeo). Este último é capaz de detectar infecções recentes, mas o resultado positivo tem um tempo limitado de reatividade; já o primeiro detecta infecções mais antigas. Essa disparidade faz com que um mesmo indivíduo possa ter ao mesmo tempo resultado positivo para um teste e negativo para outro.

Nos resultados do Comvida-1, enquanto a prevalência dos anticorpos contra a proteína spike foi de 49%, o resultado para o segundo tipo foi de 17%. Essa enorme diferença ressaltou a necessidade de uma cautela na interpretação de resultados de pesquisas sorológicas, cujos resultados dependem essencialmente de fatores como o método de teste realizado e o período de detecção de anticorpos.

Resumo para o artigo em inglês: https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(22)00155-7/fulltext

* Autores do artigo:

Lara E. Coelho (1), Paula M. Luz (1), Débora C. Pires (1), Emilia M. Jalil (1), Hugo Perazzo (1), Thiago S. Torres (1), Sandra W. Cardoso (1), Eduardo M. Peixoto (1), Sandro Nazer (1), Eduardo Massad (2), Mariângela F. Silveira (3), Fernando C. Barros (4), Ana T.R. Vasconcelos (5), Carlos A.M. Costa (6), Rodrigo T. Amancio (7), Daniel A.M. Villela (8), Tiago Pereira (9), Guilherme T. Goedert (10, 11, 12), Cleber V.B.D. Santos (13), Nadia C.P. Rodrigues (6, 13), Beatriz Grinsztejn (1), Valdilea G. Veloso (1) e Claudio J. Struchiner (2, 13).

(1)Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(2)Escola de Matemática Aplicada/Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil

(3)Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

(4)Universidade Católica de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil]

(5)Laboratório Nacional de Computação Científica, Petrópolis, Brasil

(6)Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(7)Hospital Federal dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, Brasil

(8)Programa de Computação Científica/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(9)Instituto de Ciências Matemáticas e Computação, Universidade de São Paulo, Brasil

(10) Universitàdegli Studi di Roma TorVergataand INFN, Roma, Itália

(11) RWTH Aachen University, Aachen, Alemanha

(12) The Cyprus Institute, Nicosia, Chipre

(13) Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil