AIDS 2022: PrEP entre HSH e mulheres trans no Brasil – resultados e lições aprendidas com o estudo ImPrEP
A principal atração do ImPrEP na 24ª Conferência Internacional de AIDS (AIDS 2022), realizada de 29 de julho a 2 de agosto em Montreal, Canadá, foi a organização do simpósio satélite “Evidências sobre a implementação da PrEP na América Latina: resultados do projeto ImPrEP”. Entre as apresentações mais aguardadas estava a da pesquisadora principal do estudo, Valdiléa Veloso, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz, do Brasil, que abordou “PrEP entre gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres trans no Brasil: resultados e lições aprendidas com o estudo ImPrEP”.
A pesquisadora começou a sua explanação apresentando o ImPrEP como um estudo prospectivo demonstrativo, implementado de 2018 a 2021, com o objetivo de avaliar a oferta, a aceitabilidade e a viabilidade da PrEP oral diária entre HSH e mulheres trans do Brasil, México e Peru. No Brasil, o projeto funcionou em 14 centros localizados em 11 cidades, com 95% dos participantes brasileiros sendo HSH cis e 5% mulheres trans. A maior parte do público do país foi composta por pessoas que autodeclararam a cor da pele/raça como pardos (35,9%) e negros (15,2%).
Valdiléa comentou acerca das características dos participantes. Setenta e nove por cento tinham de sete a onze anos de estudo, 97% foram inscritos por irem às unidades de saúde em busca de PrEP e 46,2% tinham menos que cinco parceiros sexuais. Ainda de acordo com a pesquisadora, 49,9% afirmaram não saber se tinham feito sexo com um parceiro que vivia com HIV, 10,1% reportaram realizar trabalho sexual, 81,8% não usavam substâncias químicas e estimulantes e 63,7% autorrelataram adesão completa à profilaxia após a quarta semana de uso.
Em relação à incidência do HIV, a pesquisadora principal informou que entre os participantes do projeto que não tomavam PrEP, 3,07% das mulheres trans e 1,28% dos HSH viviam com HIV. Entre os que usavam a profilaxia, esses números caíam, respectivamente, para 0,5% e 0,27%.
Fatores associados à desistência precoce e ao engajamento na PrEP de longo prazo também foram temas da apresentação. Valdiléa relatou que mulheres trans, pessoas de 18 a 24 anos, brancas, que tinham de cinco a dez parceiros sexuais e que diziam não saber se tinham feito sexo com alguém vivendo com HIV eram as mais propensas a descontinuar o uso da profilaxia. Em contrapartida, quem foi aos centros em busca de PrEP possuía mais de 10 parceiros sexuais e autorrelatou adesão na visita da semana 4 eram as pessoas que tinham mais chance de permanecer no uso da profilaxia.
A pesquisadora ainda mostrou a prevalência de sífilis na inclusão e durante o acompanhamento geral: no recorte por gênero, 10,7% dos HSH e 25% das mulheres trans tinham a infecção ao iniciar sua participação no projeto. Durante o acompanhamento, 12% dos HSH e 10,2% das mulheres trans testaram positivo. No geral, as pessoas pardas foram os que mais tiveram resultados positivos para a infecção por sífilis.
Quanto à clamídia e gonorreia retais, na estratificação por gênero 12,4% das mulheres trans e 10,2% dos HSH testaram positivo para clamídia na inclusão, enquanto 16,3% das mulheres trans e 11,9% dos HSH na visita da semana 52. Já em relação à gonorreia, na inscrição, 12,4% das mulheres trans e 6,2% dos HSH testaram positivo, enquanto na semana 52, esses percentuais variaram, respectivamente, para 7% e 6,7%. A maioria dos que tiveram clamídia e gonorreia estava na faixa entre 18 e 24 anos e eram brancos.
Valdiléa finalizou a apresentação com as lições aprendidas pelo ImPrEP. De acordo com ela, o projeto foi bem-sucedido como um todo ao incluir HSH e mulheres trans com alto risco de infecção pelo HIV. Também afirmou que a desistência precoce foi baixa, confirmando a viabilidade da disponibilização de PrEP numa consulta de único dia, e a adesão autorrelatada da profilaxia na quarta semana como um forte preditor de engajamento a longo prazo. Fez questão de frisar que, apesar da PrEP, a incidência do HIV continuou alta entre mulheres trans, pessoas mais jovens, negros e pardos e não usuários da profilaxia. O número de casos de infecções sexualmente transmissíveis foi alto, mas não aumentou durante o uso da PrEP. Finalizou afirmando que determinantes sociais e estruturais precisam ser abordados para que os benefícios da profilaxia sejam alcançados em sua plenitude.