O quão heterogêneos são os HSHs de cidades brasileiras? Uma análise sobre o comportamento sexual e percepção de risco e uma descrição das tendências no conhecimento e vontade de usar a PrEP
Pesquisas na área de saúde buscam dar conta de aspectos sociogeográficos das populações. Dessa forma, é possível estudar como doenças se desenvolvem e podem ser mais eficazmente prevenidas e tratadas. Sabe-se, por exemplo, que o Brasil possui a população com maior número de indivíduos vivendo com HIV na América Latina. No entanto, dada a enorme extensão do território brasileiro, a diversidade de costumes e a desigual distribuição de renda, pode-se pressupor que haja distinções na prevenção e acesso ao tratamento de HIV no Brasil.
Para pensar a prevenção ao HIV no contexto brasileiro, o artigo “O quão heterogêneos são os HSHs de cidades brasileiras? Uma análise sobre o comportamento sexual e percepção de risco e uma descrição das tendências no conhecimento e vontade de usar a PrEP”, conduzida por Thiago Torres, Luana Marins e outros pesquisadores do Instituto Nacional de Infectologia Evandro chagas, da Fiocruz*, investigou essa diversidade a partir de gays/outros homens que fazem sexo com homens (HSHs) não infectados pelo HIV e a relação destes com a PrEP.
Publicado em dezembro de 2019 na BMC Infections Diseases, o artigo tomou como base de análise 29 cidades brasileiras – 26 capitais, o Distrito Federal e outras duas grandes cidades em São Paulo. Um total de 16.667 HSHs completou o questionário, veiculado no Hornet, Grindr e Facebook em três momentos, nos anos de 2016, 2017 e 2018, utilizando dados de inquéritos aplicados pelo ImPrEP e outros estudos. No questionário, perguntou-se aspectos como condições socioeconômicas dos voluntários, comportamento sexual e conhecimento da PrEP.
Com uma idade média de 29 anos, a maioria dos participantes (62%) era do Sudeste, seguida pelo Nordeste (14%), Centro-Oeste (10%), Sul (9%) e Norte (4%). De modo geral, o artigo constatou similaridades e distinções entre determinadas regiões. Notou-se uma aproximação nos resultados entre o Norte e Nordeste de um lado, e, de outro o Sul, Sudeste e o Distrito Federal.
Para as duas primeiras regiões, houve uma maior proporção de HSHs jovens (entre 18 e 24 anos), com menor escolaridade, menor renda e não brancos. Quando ao comportamento sexual, 17% afirmaram nunca ter se testado para HIV. No entanto, essa proporção variou consideravelmente de acordo com a região, sendo maior no Norte e Nordeste, com 26% tanto em Manaus quanto em Belém. Já cidades de outras regiões como Santos, Curitiba e Brasília tiveram 12%. As principais razões relatadas para nunca terem feito teste de HIV foram ter medo de uma resposta positiva e ter vergonha.
De maneira geral, o número de voluntários que relatou sexo recente com mais de cinco homens foi menor no Norte e Nordeste em comparação com outras regiões (35%). Já outras cidades do Sudeste e Sul tiveram números maiores: São Paulo e Rio de Janeiro tiveram 46% e 45%, respectivamente, e Curitiba 43%.
O sexo anal sem camisinha foi relatado por 6.865 participantes (41%), sem grandes variações de proporção entre as regiões. A maioria dos voluntários (cerca de 64%) possuía critérios para quem a PrEP é recomendada (os critérios de elegibilidade incluem ter tido alguma relação sexual anal sem camisinha nos últimos 12 meses, ter sido diagnosticado recentemente ou nos últimos 12 meses com alguma IST, como sífilis, clamídia retal etc., e mais de cinco parceiros sexuais nos últimos seis meses). No entanto, apenas 28% se consideravam com chances de se infectar pelo HIV, dado também relativamente comum entre as regiões. O artigo verificou, ainda, que HSHs mais jovens, gays, com diagnóstico recente de ISTs e com parceiro fixo apresentaram mais práticas sexuais de risco, como sexo anal passivo sem preservativo.
O artigo notou, por fim, diferenças e similaridades entre as regiões brasileiras, percebendo ser possível, em relação às diferenças, agrupar duas regiões (Norte e Nordeste em um grupo e o Sul, Sudeste e o Distrito Federal em outro). Nos comportamentos semelhantes, houve uma homogeneidade no comportamento sexual, como sexo sem camisinha; já nas regiões Norte e Nordeste, um número significativamente maior de HSHs relatou nunca haver feito teste para HIV. Esse dado demonstra uma necessidade de reforço em programas de HIV para essas regiões.
Link para o artigohttps://doi.org/10.1186/s12879-019-4704-x
*Autores: Thiago Torres, Luana Marins, Valdiléa Veloso, Beatriz Grinsztejn e Paula Luz, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz.