Questões familiares influenciam adolescentes a se desvincularem dos cuidados com o HIV
Adolescentes que vivem com HIV no Quênia – principalmente aqueles que ficaram órfãos pela perda de um ou ambos os pais – enfrentam desafios significativos em relação aos cuidados com o vírus quando têm que lidar com novos responsáveis ou se encontram em situações de vida instáveis. Essa é a principal conclusão de um estudo liderado por Courtney Myers, da Universidade de Indiana (EUA), publicado em 3 de maio, no Journal of the International AIDS Society. O ensaio evidenciou que esses desafios se agravam, em especial, em razão da pobreza e do estigma enfrentado dentro da própria família.
Os pesquisadores rastrearam jovens de 10 a 19 anos que frequentavam o Moi Teaching and Referral Hospital ou o Kitale District Hospital, ambos situados no sul do Quênia, e que faltaram à última consulta por 60 dias ou mais.
Participaram do estudo 420 adolescentes, sendo a maioria (67%) do sexo feminino. A maior parte (64%) tinha entre 15 e 19 anos e 67% já haviam vivenciado a morte de pelo menos um dos pais. Trinta e quatro responsáveis, incluindo pais, tios, tias e avós, também participaram do estudo, além de 28 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, agentes comunitários, assistentes sociais ou psicólogos.
A instabilidade em situações de vida, como a perda dos pais, foi um dos principais fatores que fizeram os jovens descontinuarem a terapia antirretroviral (TARV). Muitos eram obrigados a mudar de família ou ir morar na ruas. “Quando estava na rua, não queria que meus amigos soubessem que eu tomava remédios. Então, fiquei quatro meses sem ir buscá-los”, disse uma voluntária de 19 anos.
A falta de recursos financeiros para o transporte até a clínica ou até mesmo para necessidades básicas foi outra barreira à retenção dos cuidados com o HIV. “Meu marido estava doente. Não tínhamos meios, qualquer coisa que conseguíamos era para comprar comida. Não podíamos levá-la ao posto de saúde. Foram dois meses sem tratamento”, contou a responsável de uma adolescente de 17 anos.
Os jovens também tendiam a interromper a TARV quando os responsáveis não se sentiam aptos a ajudá-los. “Alguns familiares, quando enfrentavam alguma dificuldade, preferiam fugir de suas responsabilidades. Com isso, os pacientes ficavam meses sem comparecer ao hospital e acabavam abandonando o tratamento”, afirmou um profissional de saúde.
Para os adolescentes que se estabeleceram em novas famílias, a ansiedade em torno da revelação do status positivo de HIV e o medo do estigma impediam a continuidade dos cuidados. “Se dissesse que iria à consulta, eles perguntariam: ‘Qual o problema?’. Eu gosto de manter minhas coisas confidenciais. Fiquei quieto, meu dia de ir à clínica passou e eu não fui”, explicou um jovem de 18 anos.
Apoiar intervenções apropriadas visando o fortalecimento de relacionamentos familiares, a redução do estigma, o gerenciamento de cuidados e o empoderamento econômico podem promover um envolvimento maior dos adolescentes com o tratamento do HIV”, concluem os autores.
Fonte: site do Journal of the International AIDS Society, de 3 de maio de 2022.