Uso contínuo de PrEP oral: necessidade de melhores definições para uma maior adesão
Por Jacinto Corrêa
A eficácia da profilaxia pré-exposição (PrEP) oral ao HIV é inquestionável, principalmente para homens gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), mas é necessário haver melhores ferramentas para monitorar o seu uso contínuo. Essa foi uma colocação recorrente por parte de diversos pesquisadores durante a 18ª Conferência Europeia sobre Aids, realizadade forma virtual em outubro de 2021.
Justyna Kowalska, da Universidade de Medicina de Varsóvia, na Polônia, especialista no assunto com mais de 130 artigos publicados, apresentou resultados de uma pesquisa on-line com trabalhadores da área de saúde na Europa Central e Oriental, conduzida a partir de 2018. Setenta e seis profissionais de 23 países responderam, com 81% relatando acompanharem pacientes elegíveis para a PrEP por serem HSH que praticavam sexo casual desprotegido e 43% acompanharem pacientes usuários de drogas injetáveis, o que os tornaria elegíveis também.
Fatores como estigma e oposição política à PrEP foram mencionados como causas para que a profilaxia não estivesse disponível, mas as razões institucionais foram o principal motivo, como, por exemplo, os planos nacionais de saúde não pagarem pela PrEP (69%); a profilaxia não estar formalmente licenciada e, caso os médicos a prescrevessem, seria “fora do rótulo” e poderiam ser responsabilizados por quaisquer consequências adversas (46%); ou por as diretrizes nacionais não incluírem o seu uso (35%). Vale ressaltar que, entre março de 2017 e outubro de 2018, a proporção de países na região que licenciaram a PrEP dobrou, de 34% para 66%, mas a porcentagem de recomendação não aumentou.
Kowalska aponta que os altos níveis de interesse na PrEP podem estar atrelados ao fato de que ela exige um nível de envolvimento com os pacientes que os antigos modelos de tratamento de infecções sexualmente transmissíveis e do próprio HIV não exigiam. A pesquisadora também citou que uma das razões para a lenta introdução da profilaxia na Europa Oriental foi a falta de um modelo de oferta, uma vez que os serviços foram criados e acabaram se tornando espaços para HSH e outras pessoas buscarem ter suas necessidades de saúde sexual atendidas.
Também na conferência, Jade Ghosn, do Hospital Bichat – Claude Bernard, de Paris, mencionou a enorme eficácia da PrEP relatada pelo estudo PREVENIR, cujos resultados foram originalmente apresentados na CROI 2021, e que identificou apenas seis infecções pelo HIV entre 3.059 HSH em uso da profilaxia – eficácia de 98,3%. Além disso, as infecções ocorreram em pessoas que tinham feito sexo desprotegido bem depois de terem parado de usar a PrEP. O pesquisador ressaltou que, estabelecido que a PrEP sob demanda e o esquema diário funcionaram bem e as infecções quase sempre aconteceram durante um período sem o uso da profilaxia, o importante é estabelecer por que as pessoas deixam de tomá-la.
Já para Robert Hejzák, da Associação Tcheca de Ajuda à Aids, é necessário ter melhores ferramentas para monitorar o uso individual contínuo da PrEP. Ele lembrou que um grande estudo americano sobre descontinuidade da profilaxia indicou que 52% das pessoas que iniciaram a PrEP entre 2012 e 2019 a interromperam pelo menos uma vez, mas 60% delas também a retomaram mais tarde pelo menos uma vez. A maior taxa de descontinuidade foi nos dois primeiros anos, o que sugere que, para aqueles que ficam mais tempo com ela, o seu uso se torna mais habitual. Entretanto, não se sabem as razões da maioria das pessoas parar ou recomeçar a profilaxia.
Para o pesquisador, a PrEP precisa ser redefinida não só como um medicamento, mas também como um comportamento. De acordo com estudo feito pela Organização Mundial da Saúde, em setembro de 2020, a redução da ansiedade e depressão seriam benefícios diretos da profilaxia, reforçando a tese de que a saúde mental precisa ser incluída entre as medidas de eficácia.
Fonte: Aids Map, de 5 de novembro de 2021