Projeto Transcrições: dez anos de lutas e empoderamento da comunidade trans
Hoje em dia, muito se fala sobre a importância da inclusão social, mas poucas ações concretas são praticadas para que essa inserção seja realmente conquistada. Foi na contramão dessa realidade que surgiu o projeto “Transcrições”, que desenvolve oficinas semanais promovidas pelo grupo de educação comunitária do Laboratório de Pesquisa Clínica em HIV/Aids, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Tem por objetivo principal promover, por meio da realização de atividades artísticas e culturais (oficinas de dança, desenho e maquiagem, além de visitas a museus e teatros), o cuidado da saúde física e mental da população trans. O projeto, monitorado por professores universitários e profissionais da área da saúde, conta com o apoio do ImPrEP CAB Brasil, da Universidade Federal Fluminense e de diversas ONGs parceiras.
Desde sua criação, em 2015, o Transcrições mantém como público-alvo travestis, mulheres transgênero, pessoas intersexo e não-binárias da região metropolitana do Rio de Janeiro, com atenção especial àquelas em situação de maior vulnerabilidade social. Com o passar dos anos, sempre mantendo o protagonismo das travestis e mulheres trans, os homens trans também passaram a ser acolhidos nas oficinas, que costumam a ocorrer nos formatos on-line e presencial. Estima-se que mais 2.600 pessoas já tenham passado pelas mais de 580 reuniões, com frequência média de 35 participantes, realizadas pela equipe do projeto.
“O Transcrições nasceu do desejo de existir com dignidade e acabou se transformando em um espaço onde as pessoas trans podem se ver, se ouvir e se reconhecer. É um lugar em que nossos corpos são acolhidos e nossas potências são celebradas”, afirma Laylla Monteiro, coordenadora do projeto e também educadora de pares do estudo ImPrEP CAB Brasil (na foto, a seguir). De acordo com ela, essa primeira década da oficina representa a construção de uma história de coragem, afeto e resistência. “Não são apenas dez anos de atividades, são dez anos de escuta, reinvenção e cuidados com nossos corpos”.

Mas engana-se quem pensa que, durante todo esse tempo, o projeto ficou restrito apenas ao Rio de Janeiro. “Tivemos o privilégio de participar de conferências internacionais, como a AIDS 2016, realizada na África do Sul, a AIDS 2020, que, em virtude da pandemia, ocorreu de forma virtual, e da HIV4RP 2024, que aconteceu no Peru”, informa Laylla. Nesses espaços, o Transcrições foi reconhecido por sua estratégia comunitária inovadora e por dar centralidade aos saberes e experiências da população trans.
A PrEP como pauta
Uma das principais ferramentas da Mandala da Prevenção Combinada, a profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV é tratada com um tema prioritário nas oficinas. “Trabalhamos o assunto com uma abordagem crítica e contextualizada, sempre respeitando as vivências e as escolhas individuais de cada uma. Esclarecemos dúvidas, identificamos barreiras ao acesso e elaboramos estratégias que colocam a autonomia das pessoas trans no centro da conversa”, diz Laylla. Ela lembra que, assim como a PrEP, assuntos como o acompanhamento hormonal e a saúde mental também são recorrentes nas reuniões do projeto.
Outra preocupação constante da equipe do Transcrições é a inclusão da população trans no mercado de trabalho. “Embora não seja um projeto voltado exclusivamente para a inserção profissional, sempre abrimos espaço para discussões sobre geração de renda, valorização do trabalho trans e alternativas à marginalização”, ressalta Laylla. Ela cita como exemplo a realização da oficina “Empoderamento versus Remuneração”, que abordou a relação entre militância, sobrevivência e emprego.
Laylla ainda faz questão de celebrar a parceria entre o Transcrições e o ImPrEP CAB Brasil, estudo que tem como objetivo criar subsídios visando a inclusão da PrEP injetável de longa duração como mais uma alternativa de proteção ao HIV oferecida pelo Sistema Único de Saúde do país. “A equipe do projeto sempre atuou como uma ponte entre a população trans e o estudo, facilitando o acesso às informações, aos cuidados e ao acolhimento. O ImPrEP CAB Brasil é um parceiro que nos ajuda a construir confiança e acompanhar trajetórias, fortalecendo cada vez mais engajamento da nossa comunidade com a pesquisa científica”, finaliza a coordenadora.


