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Violência por parceiro íntimo entre mulheres trans e cisgênero no contexto da Covid-19

A violência por parceiro íntimo constitui um problema social grave que afeta tanto mulheres trans quanto cisgênero. No entanto, a vulnerabilidade de gênero pode ser ainda agravada quando sobreposta a outros fatores, como condição socioeconômica e status sorológico para HIV.

Buscando refletir sobre essas interseccionalidades, um artigo publicado na edição de fevereiro de 2025 no periódico Transgender Health investigou a prevalência e os fatores associados à violência por parceiro íntimo entre mulheres trans e cisgênero que viviam com HIV ou com risco de infecção durante o período da pandemia de Covid-19 no Rio de Janeiro.

Com autoria de Ricardo Rafael, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e outros colaboradores, inclusive do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz/RJ*, o estudo incluiu 341 participantes trans e cisgênero em um estudo transversal realizado de maio a agosto de 2020. Todas as participantes cisgênero viviam com HIV; dentre as participantes trans, 41 viviam com HIV e 23 tinham risco de infecção. As voluntárias foram contatadas por meio de entrevistas telefônicas visando à coleta de dados.

Os resultados revelaram uma prevalência de violência por parceiro íntimo de 27,86%, sendo significativamente maior entre mulheres trans (40,63%) do que entre as cisgênero (24,91%). Além disso, mulheres trans apresentaram taxas quase três vezes maiores de violências severas, incluindo psicológica, física ou sexual.

Por sua vez, entre os fatores associados à violência por parceiro íntimo destacou-se, para ambos os grupos, o sentimento de solidão. Tal fator foi especialmente relevante no contexto da Covid-19 e as medidas de isolamento social que, embora necessárias, aumentaram a exposição a situações de violência.

Ainda quanto aos fatores associados, ressaltaram-se, entre o grupo das mulheres trans, o consumo excessivo de álcool e a menor idade. Já entre as mulheres cis, a suspensão de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e a consequente perda de autonomia financeira se mostraram fatores que ampliaram sua vulnerabilidade.

Os resultados do estudo evidenciaram de que forma condições de vida específicas, como o imposto pela pandemia de Covid-19, intensificam vulnerabilidades preexistentes. Diante desse cenário, o artigo ressalta a necessidade de políticas públicas interseccionais, capazes de identificar, prevenir e enfrentar fatores associados à violência contra mulheres trans e cisgênero.

Link para o artigo: https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/trgh.2023.0057

*Autores do artigo:

Ricardo Rafael (1), Emilia Jalil (2), Luciane Velasque (3), Ruth Friedman (2), Michelle Ramos (2), Cynthia Cunha (2), Eduardo Peixoto (4), Lívia Andrade (5), Davi Depret (1), Adriana Costa Gil (1), Dandara Alcântara (1), Laylla Monteiro (2), Virginia Knupp (4,6), Valdiléa Veloso (2), Erin Wilson (7,8) e Beatriz Grinsztejn (2).

(1) Departamento de Enfermagem em Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

(2) Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

(3) Departamento de Métodos Quantitativos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

(4) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

(5) Faculdade de Medicina, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

(6) Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

(7) Centro de Pesquisa em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública, São Francisco, EUA

(8) Departamento de Epidemiologia e Bioestatísticas, Universidade da Califórnia, São Francisco, EUA.